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domingo, agosto 20, 2006

ÍNDICE GERAL - MÚSICA




HISTÓRIA UNIVERSAL DA MÚSICA


I - INTRODUÇÃO

II - PREMISSAS

III - PRÉ-HISTÓRIA E ANTIGUIDADE - CEM SÉCULOS DE CIVILIZAÇÃO MUSICAL

  • 06 - Em Busca das Origens (Em Breve)
  • 07 - Primeiras Civilizações Musicais
  • 08 - Civilização Greco-Latina




MÚSICA DA SEMANA




BIOGRAFIAS




quarta-feira, julho 19, 2006

Musicologia e História

HISTÓRIA UNIVERSAL DA MÚSICA


Musicologia e História

De todas as ciências da música, a história é uma das mais férteis em temas de reflexão, pois é uma história da imaginação e do comportamento. Seu domínio engloba uma grande diversidade de conhecimentos (teoria, estética, sociologia, etc.), donde o enriquecimento que proporciona, se não se perseguir a miragem da cultura individual enciclopédica. Pois toda ciência bem compreendida faz progredir primeiro a cultura coletiva, deixando ao indivíduo, apenas o sentimento do que resta a descobrir.

No entanto, a história da música esbarra nos limites de todo estudo histórico e nas dificuldades que lhe são específicas. Assim, não pode haver história da música objetiva, no sentido familiar do termo, pois o procedimento histórico toma seus conceitos fundamentais (por vezes até mesmo o objeto de suas pesquisas) emprestados da filosofia pessoal do historiador. Mais particularmente, os juízos musicais se referem necessariamente a preferências individuais ou coletivas, na ausência de modelos exteriores.

Esse subjetivismo torna os depoimentos sobre a música particularmente frágeis. Ora, os fenômenos musicais passados não podem ser estudados diretamente, como os monumentos da pintura ou da literatura, e não se prestam, como os acontecimentos políticos ou militares, a relatos exatos e pormenorizados: a música é fugidia e indescritível. As fontes com que o historiador deve então contentar-se são, de um lado, testemunhos suspeitos e sem rigor, de outro, a reprodução aproximada dos fenômenos musicais, graças à notação (quando ela existe).

Outras ciladas a temer: o interesse anedótico das vidas de músicos célebres, nas quais somos tentados a deter-nos longamente; a aparente lógica determinista da evolução das formas; ou a confiança no rigor e na fecundidade das análises. A menos que se consagre um estudo a um compositor em particular, a biografia só é capital se esclarece a obra. Quanto à evolução das formas, a maneira pela qual a fuga sucede à passacaglia, ou a sonata à suíte, é de uma importância histórica bem pequena, se não se reconhece nenhuma razão humana para essa evolução. O desenvolvimento da polifonia não é, em si, mais que uma curiosidade técnica, de sucesso inexplicável, se não procurarmos descobrir suas causas e suas conseqüências. Enfim, a análise, apesar do gosto imoderado que os comentadores têm hoje por ela, em geral nada explica e cria uma confusão entre o aparente e o essencial. Ela revela, na prática ordinária, três grandes fraquezas metodológicas:

1 – A análise negligencia, na maioria das vezes, a busca das formas e das estruturas que são verdadeiramente pertinentes e inteligíveis para a cultua e a sociedade que suscitaram a música estudada. Ora, é isso que importa, antes da descoberta de detalhes insuspeitos.

2 – A música só existe pela audição no tempo. Ora, a análise detém o tempo e introduz a observação visual (notação) e o pensamento dialético. Ela permite ver e compreender como a música é feita, nem sempre ajudando a ouvir como ela funciona.

3 – O analista é sempre tentado a aplicar estruturas aprendidas em conjunto não estruturados na realidade física. As sucessões de acordes mais inabituais, quando não puramente intuitivas ou mesmo aleatórias, podem ser relacionadas, assim, aos esquemas da harmonia acadêmica.


Para completar esse reconhecimento de nossos limites, devemos acrescentar que a sociologia da música é uma disciplina recente e ainda balbuciante. Nosso conhecimento dos públicos permanece insuficiente para determinar com segurança que signos são reconhecidos e compreendidos pelos diferentes públicos na música contemporânea nas diferentes épocas. Isso seria, no entanto, capital. Rigor nos métodos, audácia na pesquisa, seriedade na reflexão: são essas as condições de uma historiografia moderna, que permita comparar as civilizações, compreender a evolução singular da música ocidental e, talvez, prever, por extrapolação, o que será seu futuro e, eventualmente, seu fim...

E a musicologia? O público a vê como uma ciência altamente especializada, distinta das outras ciências musicais. Não raro, os profissionais estimulam essa representação, que talvez achem lisonjeira. Literalmente, a musicologia é a ciência e o estudo da realidade musical no sentido mais geral; ela engloba, normalmente, a história, a estética, a teoria dos sistemas e das escalas, as sociologia, a psicossociologia, etc. A palavra francesa está em uso apenas desde o início do século XX; é a tradução da alemã Musikwissenschaft, empregada pela primeira vez por Chrysander em 1863, na época em que nascia, de fato, a musicologia moderna.

Muitos musicólogos tendem a limitar sua disciplina ao estudo das fontes musicais, à descoberta das músicas esquecidas, enfim à restituição das obras do passado numa forma que permita a sua interpretação adequada. Essa musicologia tradicional negligencia certos aspectos fundamentais:

- o aspecto sociológico: quem produz a música? quem a ouve? por que? em que circunstâncias e em que condições?

- o aspecto semântico: o que o ouvinte percebe, como ele “interpreta” o conjunto dos signos sonoros? como a música é “compreendida” pelo grupo a que é destinada?

- o aspecto psicofisiológico: como se elabora essa percepção? quais são suas condições favoráveis e suas causas de perturbação?

- certos aspectos teóricos: escolha das escalas e dos modos, causas e conseqüências da evolução dos sistemas, implicações filosóficas, métodos modernos de análise apoiado numa descrição completa dos sistemas.


Uma nova musicologia parece dedicar-se hoje a preencher essas lacunas. Quando estiver menos entulhada de semiologia, quando tiver terminado seu crescimento, definido seu métodos e ampliado seu campo de ação, talvez venha a ser o instrumento de um renascimento de nossa cultura musical.


O próximo artigo desta série é EM BUSCA DAS ORIGENS

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Categorias Sócio-Musicais

Tiepolo - O Minueto
Este é o 3º artigo da série História da Música. Os dois anteriores são:

01 - Miragens de uma Definição
02 - Função Social e Percepção
03 - Transmissão das Idéias: A Obra e Sua Notação


A maneira de conceber a música e de reagir às suas manifestações variou consideravelmente segundo as épocas e os grupos sociais. Tipos de música com freqüência bastante diferenciados apareceram ao sabor dessas variações,determinando por sua vez comportamentos musicais particulares. Assim, categorias sócio-musicais mais ou menos nítidas podem ser distinguidas de diferentes maneiras, por exemplo:

- segundo os comportamentos musicais coletivos;
- segundo os comportamentos individuais, tal como Adorno os analisava em meados do século XX;
- segundo os tipos de fenômeno musicais mais freqüentemente observados.


Comportamentos Coletivos

Enquanto fenômeno social, a música evoluiu consideravelmente no curso da história, revelando comportamentos coletivos diferentes.

1 - Nas sociedades primitivas, a música é um ato comunitário. Não há público, não há autor, não há obra; quase todos os ouvintes são participantes. Embora a noção de propriedade artística apareça aqui ou ali na escala dos pequenos grupos humanos (exclusividade de um tipo de emissão vocal, ou de uma técnica instrumental), as manifestações musicais permanecem continuamente variáveis, nos limites de certas regras precisas. Estas últimas estão ligadas às circunstâncias da vida social: escolha dos instrumentos, modo de execução, ritmos característicos. Existem hoje em dia comunidades que praticam a música dessa maneira, principalmente na África e na Oceania.

2 - Durante um longíssimo período, que engloba a maioria das grandes civilizações da Antiguidade e os oito ou dez primeiros séculos da cristandade, a música sempre é a manifestação de uma cultura coletiva, mas a comunidade delega seu exercício a categorias especializadas. Produz-se uma separação entre músicos ativos e assistentes, executantes-criadores e ouvintes. Esse público antigo, vasto e indiferenciado, é bastante receptivo a uma música que lhe é geralmente acessível e que ele vincula a rituais, tradições sociais, princípios éticos. Quando a música é suficientemente simples e conhecida, ele até conserva seu papel ativo, participando dos cantos da liturgia cristã ou das celebrações das festas tradicionais; mas permanece musicalmente passivo quando o canto se torna sutil e complicado, sob a influência dos profissionais. Todavia, não é um ouvinte inerte: ele manifesta no momento adequado seu prazer ou seu descontentamento, por vezes de maneira espetacular (no Oriente, foi utilizado por muito tempo um tambor para aplaudir), e sabe distinguir o bom do mau músico. Na Europa cristã, o saber musical está concentrado nos mosteiros e os autores são anônimos; ninguém se interessa por sua personalidade, nem pela dos executantes, ambos não sendo mais que especialistas a serviço da coletividade, ou guias, austeros conservadores da tradição.

3 – Na época helenística, na Grécia e na civilização cristã, a partir do século X aproximadamente, uma música erudita, cada vez mais complexa, tende a tornar-se apanágio de uma elite social e cultural. Bem educada musicalmente, esta forma um público muito receptivo, porém pouco demonstrativo. Seu comportamento é passivo, salvo na execução doméstica de música mais ou menos simplificada para uso dos diletantes. Os grandes músicos começam a sair do anonimato, e a maneira pela qual dominam uma técnica cada vez mais complexa e refinada lhes vale um grande prestígio: as primeiras estrelas internacionais aparecem (trovadores e polifonistas da Renascença). Enquanto os príncipes, a nobreza, a Igreja e (a partir do século XVI) uma rica burguesia de comerciantes, financistas e armadores rivalizam em talentos e fastos musicais, o povo se afasta de uma música demasiado erudita, que ele só ouve nas igrejas e nas antecâmaras. Cultiva outra, transmitida oralmente e adaptada a suas necessidades, e mal toma consciência do desenvolvimento da polifonia. O monopólio das classes dominantes sobre o que se chamará “música erudita” cresce continuamente até o século XVIII. Abre-se então um abismo que nunca será totalmente superado.


4 – Nos séculos XVIII e XIX, a música democratiza-se relativamente, graças à multiplicação dos teatros de ópera e dos concretos públicos (que apareceram, ambos, no século XVII). Contudo, o ritual ligado a essas instituições exerce uma ação dissuasiva sobre grande parte do público popular, e a comercialização da música estimula a formação de classes diferenciadas de ouvintes. Esse fenômeno envolverá até mesmo certas civilizações do Oriente. Os públicos são cada vez menos receptivos e cultos, mas a música torna-se economicamente rentável, devido à maior difusão das obras-objetos. Compõem-se diferentes tipos de músicas para todas as classes de ouvintes e em função da demanda; e as preferências, acentuando-se fazem surgir verdadeiras especializações no público, à medida que a música moderna parece mais difícil e que os estilos se diversificam a ponto de serem, por vezes, antagônicos. Na segunda metade do século XIX, vários melômanos interessam-se pela música antiga, enquanto outros encontram seu prazer numa rica floração de música leve.

5 – O desenvolvimento da indústria musical (radiodifusão, disco, show business) acentua com força , por um lado, os mitos, os tabus e a falsa cultura que envolvem a “música erudita”, e, por outro, o prestígio vulgar ligado à música leve comercial , devido a seu fabuloso faturamento. A vida musical é controlada por profanos, promotores engenhosos para quem a música é um bem de consumo como outro qualquer; eles difundem uma música “pronta para ser consumida” em função de uma demanda que eles próprios provocaram. Decidem dividir o público musical em duas famílias, de grandezas desiguais: os apreciadores de “música erudita” ou “música clássica”, e os apreciadores de “variedades” ou música leve, por vezes qualificada de “música moderna”. Essa distinção e a oposição que ela provoca são um reflexo das classes e dos conflitos sociais: a família “clássica” é, em sua maioria, burguesa; a família “variedades”, em sua maioria popular. Enquanto o grande público segue a moda sem discernimento, o melômano esclarecido tem cada vez mais a impressão de pertencer a uma elite. Mas esse melômano não é mais um músico ativo; ou, se é, muito excepcionalmente, é como virtuose solitário que toca ao piano a música dos dois séculos precedentes, nunca a de seu tempo. À parte o esnobismo, há um grave divórcio entre o público, mesmo o público culto, e a música que se faz junto a este. A despeito das aparências, a indústria musical desencadeou o processo inverso da democratização iniciada nos séculos XVIII e XIX. O disco é, por vezes, um notável instrumento de cultura popular; porém é, infelizmente, com muito maior freqüência um fornecedor de fundos sonoros ou um distinto objeto de coleção.

6 – Desde a Antiguidade, o público, popular ou aristocrático, suscitou durante muito tempo, por seu comportamento ou suas exigências, a música que correspondia a suas necessidades, assumindo assim a responsabilidade de uma evolução que podemos considerar natural. Às vezes, porém, uma minoria ousou decidir pelo público sobre o que lhe convinha, estabelecendo a priori as normas da boa música. A evolução é, então, provocada. Se essa minoria ativa é constituída de especialistas que só dispõem de poder em sua arte, um estilo inabitual, em geral de tendência avançada, pode ser imposto ao público a seu malgrado, em nome de um pensamento ou de um gosto superiores. Os músicos da Grécia decadente, os teóricos da Idade Média, os humanistas florentinos da Renascença, os músicos italianizantes do século XVIII ou germanizantes do século XIX, os dodecafonistas estabeleceram, assim, o primado de sua verdade musical, com a obstinação dos prosélitos perseguidos e, por vezes, a agressividade de um terrorismo estético... Se, ao contrário, a minoria ativa é formada de não-profissionais dispondo de um poder político ou econômico, seus critérios serão de ordem prática ou ideológica. Verdadeiras ditaduras artísticas podem exercer-se então sobre o público, bem como sobre os criadores. Desta vez, a liberdade de escolha não é mais orientada apenas por uma propaganda musical ou uma campanha de intimidação doutrinária: ela é simplesmente abolida! A história nos fornece vários exemplos desse totalitarismo musical: a ação “purificadora” e unificadora de São Gregório e de Carlos Magno, as exigências dos concílios , as da Reforma e da Contra-Reforma, as condenações em nome do nazismo ou do realismo socialista segundo Jdanov, e enfim o império do show business. Esses fenômenos totalitários serão examinados nos capítulos históricos que lhes correspondem. Suas características comuns são o conservadorismo estético, o desconhecimento da música, a desconfiança em seu poder expressivo e o desprezo ao público. Todos procedem de uma confusão dos valores e de uma demagogia primária.

A ética musical da Grécia clássica não levou a essa espécie de abuso de poder; não haveria razão alguma para condená-la aqui, como tampouco as filosofias musicais chinesa, hindu e árabe. Sem serem músicos profissionais, no sentido em que entendemos, os filósofos da Antiguidade eram perfeitamente competentes. Não foram nem demagogos, nem censores, mas moralistas e educadores preocupados com o bem público. Em vez de submeterem a música a uma ideologia, criaram uma ideologia musical, cuja ação não é absolutamente assimilável a um totalitarismo estético.


Comportamentos Individuais – Na escala dos indivíduos, Theodor W. Adorno distingue em nossa sociedade oito tipos de comportamento musical.

1O especialista é o ouvinte ideal a quem nada escapa. Recrutado quase exclusivamente entre os profissionais, ele é capaz de ligar cada detalhe ao conjunto do que precede e do que talvez vá seguir; ele reconhece as técnicas de desenvolvimento, distingue os elementos sucessivos e simultâneos da polifonia mais complexa. O compositor vê nele o único ouvinte capaz de compreendê-lo perfeitamente, graças a “uma audição totalmente adequada”, a uma “escuta estrutural”.

2 – Também o bom ouvinte ouve mais que fenômenos sonoros sucessivos. Mas, se ele compreende perfeitamente o sentido da música e faz juízos motivados, tem pouca consciência dos meios aplicados, pois não é um técnico. Esse tipo era bastante difundido na corte e na elite cultural e social até o último quartel do século XIX. Adorno encontra bons espécimes deles em Proust – por exemplo, o barão de Charlus. Esse tipo ainda é encontrado na alta burguesia ou nos meios intelectuais, mas se torna cada vez mais raro à medida que a música moderna se torna mais difícil e que uma cultura superficial, porém eclética, se torna mais facilmente acessível.


3O consumidor de cultura, tipo especificamente burguês, tende hoje a substituir o “bom ouvinte”. Assíduo aos concertos e colecionador de discos, ele ouve muita música, retém temas, sabe identificar as obras célebres, conhece sua tonalidade e seu número de opus. Apesar de sua atitude concentrada durante a audição, esse melômano percebe mal o sentido da música; é menos atento às estruturas musicais do que aos incidentes da execução. Entre “consumidores de cultura”, as conversas irão girar indefinidamente em torno dos méritos comparados dos intérpretes, ou então cada um fará o inventário das obras que o outro não conhece. Os juízos não são motivados: quase sempre conformistas, inspiram-se em preferências pessoais ou questões de prestígio (esnobismo). Nessa categoria, relativamente pouco numerosa, mas muito influente, recrutam-se os assinantes das sociedades de concertos, os peregrinos de Salzburg ou de Bayreuth e os membros dos comitês de programação. Todos “respeitam a música enquanto bem cultural, não raro como algo que se deve conhecer por motivos de prestígio social”.

4O ouvinte emotivo está ainda mais distante da realidade musical. “A música serve-lhe essencialmente para liberar instintos habitualmente recalcados ou reprimidos pelas normas da civilização”. Sua preferência é pela música romântica. Desprovido de esnobismo, é ingênuo, não quer saber de nada e, portanto, se deixa manipular com facilidade; sofre principalmente “a influência de uma ideologia fabricada peça por peça pela cultura musical oficial: o antiintelectualismo”. Seu gosto é considerado execrável pelas categorias 3 e 5. Recruta-se em todos os meios, principalmente na pequena burguesia.


5 - O ouvinte rancoroso, ao contrário do ouvinte emotivo, faz do tabu imposto ao sentimento a norma de seu comportamento musical. Superficialmente não conformista (despreza a vida musical oficial), ele se refugia num passado que imagina mais puro: a música posterior a Bach não lhe interessa. Emoção e subjetividade irritam-no; sua maior preocupação é a fidelidade rigorosa ao que ele estima ser o modo de execução autêntico. No seio do repertório que defende, as diferenças qualitativas parecem escapar-lhe e a pureza do estilo basta para sua austera satisfação.Esse tipo recente apareceu primeiro na Alemanha entre os executantes e os musicólogos; logo se estendeu e recruta representantes entre os colecionadores de discos.


6O especialista em jazz, ao contrário do especialista nº. 1, não é necessariamente um profissional, mas é sempre um especialista. Ele se aparenta ao ouvinte rancoroso por sua contestação da cultura oficial e por sua aversão ao ideal clássico-romântico. Esse tipo é intransigente, ou mesmo sectário: toda crítica contra uma forma de jazz considerada, num instante preciso, particularmente progressista é um sacrilégio, toda atração por um jaz ultrapassado ou marginal é uma fraqueza vulgar. Os representantes desse tipo são recrutados principalmente entre os jovens. Adorno considera o comportamento destes edipiano: revolta contra um sistema-pai, a que as pessoas se submetem humildemente (escalas, harmonia e ritmos tradicionais).


7 O ouvinte de músicas de fundo é, principalmente, um ouvinte de variedades, totalmente submetido à pressão da mídia. Sua maneira de ouvir “se define mais pelo mal-estar sentido quando desliga o rádio do que pelo prazer sentido,por menor que seja, quando o rádio está ligado”. Ao contrário do consumidor de cultura (3), naturalmente orgulhoso, o ouvinte de variedades eleva a virtude à apatia cultural. Para ele, a música não tem sentido e não precisa solicitar sua atenção. Na melhor das hipóteses, ela é um estimulante, uma droga; em geral, sua função é sonorizar, como a da luz é iluminar. Esse tipo, a que o show business está indissoluvelmente ligado, é mais importante do ponto de vista quantitativo. Ele é recrutado em todas as classes sociais, mas a classe superior se distingue pela escolha de uma música de fundo dita de qualidade.


8 - O amusical, indiferente ou hostil , é aquele para quem a música é inteiramente inútil ou incômoda. É quase um caso patológico, cuja origem não é uma falta de disposições naturais, mas um processo deflagrado durante a primeira infância. Adorno encara a hipótese de o sujeito amusical dever suas carências ao fato de ter sido submetido bem cedo a uma autoridade brutal. Esse tipo costuma ser exageradamente realista; “encontramo-lo nos indivíduos excepcionalmente dotados para uma especialidade técnica” e “nos grupos excluídos pelos privilégios culturais e pela situação econômica da cultura burguesa”.



Categorias Musicais – Se tipos de comportamento musical, individual ou coletivo, podem ser distinguidos com bastante nitidez, a classificação dos tipos de música em função das condições sociológicas de sua produção é muito mais decepcionante. Só se descobrem falsas categorias, reflexos da cultura e dos hábitos de determinado grupo ativo. Em vez das características específicas, essas falsas categorias distinguem de maneira bastante confusa maneiras de produzir a música. Profundamente integradas a nosso pensamento musical, elas se apresentam por pares opostos.

1 – Música espontânea ou composta. Desde que o homem vive em sociedades sedentárias, não há mais comunidade musicalmente virgem, de onde a música possa jorrar ex nihilo. Toda criação dita espontânea é, na verdade, condicionada por um sistema musical e nutrida de reminiscências. Nela , o executante transforma uma informação recebida (estocada no nível pré-consciente) segundo o gênio de sua raça, a ocasião ou a necessidade. Assim, o repertório do que os etnólogos chamaram de folclore musical é, ao mesmo tempo, condicionado e em contínua mutação. O elemento criativo reside precisamente nas transformações que a herança sofre. É essencialmente uma arte de tradição oral. Fixando-a pela gravação ou notação, as quais tornam possíveis repetições idênticas, ela é desnaturada; mas pode-se considerar que permanece um folclore, isto é, uma criação popular para uso popular, em que produtor e consumidor se confundem.

Por outro lado, a música composta, escrita, não é isenta de espontaneidade, pelo espaço que ela deixa para a iniciativa dos intérpretes: as únicas músicas absolutamente fixas são as músicas eletroacústicas.

2 – Música erudita ou popular. Essas categorias são mais nítidas que as precedentes, mas os limites são ainda mais imprecisos. A música erudita é produzida em princípio por uma elite cultural, em função de critérios estéticos deixados à inspiração dos criadores. Ela não é mais destinada a um público particular, mas seu grau de dificuldade e o nível cultural dos diversos grupos sociais criam uma seleção entre seus virtuais ouvintes.

A música popular, ao contrário, só se define por sua destinação. Ora é oriunda das camadas populares , em geral camponesas, e consumida in loco (folclore), ora é produzida industrialmente pela classe dirigente, em função de critérios puramente comerciais. Nesse último caso, sua perenidade é incerta, embora seja sistematicamente difundida. Às vezes, a boa música popular é uma música erudita, por ser embasada num sistema erudito: existem músicas populares bastante eruditas.

3 – Música clássica ou variedades. Extremamente inibidoras e corruptoras, essas categorias são absurdas, pois não são musicais, mas comerciais. Seu aparecimento relativamente recente está ligado ao desenvolvimento do disco e da radiodifusão. No jargão das indústrias musicais, é classificada sob o título de variedades toda música melódica moderna de diversão, de escrita simplíssima e estereotipada. Para a comodidade das classificações, somam-se a elas o jazz (autêntico ou adulterado) e a pop music, muito embora os últimos tenham poucas afinidades profundas com uma categoria que se define pelo conformismo e pela simplicidade.

Na categoria clássica, está reunida toda a música erudita ocidental, das origens aos nossos dias. Claro, os folclores e as músicas eruditas extra-européias escapam a essa classificação simplista, bem como certas formas da nova música.... Seria possível distinguir as “variedades” das outras espécies de música observando métodos particulares. De um lado, na composição: colaboração de um melodista e de um arranjador ,, respeito a certas convenções instrumentais, papel maior da amplificação elétrica; de outro, na interpretação e na difusão comercial. Observa-se também que a música de variedades não é representativa nem de um pensamento musical em evolução, nem da tradição; aliás, ela só corresponde ao gosto do público na medida em que a demanda é provocada pela publicidade; seu caráter efêmero é sua originalidade.

É da música erudita ou “histórica” que esta obra trata. Farei alusão à música popular comercial tão-só de um ponto de vista sociológico e ao jazz para mostrar sua influência sobre a música européia. O folclore , a que se prende, de resto, uma parte do jazz, poderia ser objeto de outro livro (que teria um caráter etnológico e não histórico, dada a fragilidade de nossas informações sobre as tradições populares do passado).

O próximo artigo desta séria é – MUSICOLOGIA E HISTÓRIA




A Transmissão das Idéias: A Obra e sua Notação

Este é o 3° artigo desta série. Os dois primeiros são:

01 - Miragens de uma Definição
02 - Função Social e Percepção

“Um livro é uma árvore morta”
Saint-John Perse

Os testemunhos mais antigos de civilizações musicais refinadas remontam a mais de seis mil anos e temos razão de pensar que as origens da música são mais remotas. Pela iconografia, pelos vestígios de instrumentos, pelos relatos lendários ou pela tradição filosófica, sabemos quais eram suas funções e as condições de seu desenvolvimento desde a mais alta Antiguidade, principalmente na Ásia Menor, no Egito, na China e na Índia.

Contudo, essas ricas civilizações não nos deixaram o menor vestígio de uma obra musical notada, e, na abundância dos documentos, não se encontra qualquer representação de um músico lendo. Esses povos antigos não parecem ter-se preocupado com a transmissão exata de um patrimônio de objetos musicais, de idéias musicais, como tampouco se preocupam hoje os músicos tradicionais da Índia. Eles praticavam a música em circunstâncias determinadas, unicamente em benefício deles mesmos ou de sua família, sua casta, sua cidade, excepcionalmente para a satisfação de algum vencedor, atendo-se ao respeito às escalas e regras tradicionais.

Os mais antigos sistemas de notação que conhecemos são os dos gregos (desde cerca de 600 a.C.); pelo menos, foram os primeiros a nos serem transmitidos de forma inteligível. Os chineses teriam utilizado, desde o segundo milênio antes de nossa era, símbolos representando os sons de sua escala; mas não conhecemos qualquer documento musical notado anterior ao século XVI de nossa era. Quanto aos sistemas da Índia, que sabemos existirem desde a época védica, tinham provavelmente, a princípio, um caráter esotérico, ligado à interpretação dos hinos; só nos são acessíveis sob a forma, relativamente recente, que conservaram em nossos dias, como funções principalmente teóricas e pedagógicas.

É impossível garantir que uma notação da música tenha funcionado ou não em épocas muito remotas, na Mesopotâmia ou no Egito, por exemplo, apesar dos resultados encorajadores de pesquisas recentes. De qualquer modo, nenhum sistema pode ter sido de uso corrente na Antiguidade. Músicos lendo só aparecem na iconografia no início do século XV de nossa era, quando, na civilização ocidental, a notação se tornou prática e indispensável. Não conhecemos tampouco textos musicais, fora as referências do Sāma Veda (c. 1200 a.C.) e de uma dezena de documentos gregos, a maioria bastante tardia. Se o uso da notação tivesse sido mais difundido, é certo que a civilização helênica, cuja poesia lírica, a tragédia, a filosofia são conhecidas graças a abundantes fontes literárias, nos teria deixado inúmeros testemunhos de seu patrimônio musical. Claro, vários de nossos raros documentos representam obras musicais autônomas, no sentido em que compreendemos hoje. Mas são casos isolados, pouco significativos. Os símbolos gráficos aparentemente teriam como objetivo principal, então, guiar a recitação lírica em caso de necessidade e, sobretudo, fornecer um instrumento de trabalho aos teóricos e pedagogos.

Quanto à música cristã primitiva, nem a notação alfabética latina (incoerente adaptação da notação grega), nem a notação bizantina, ambas demasiado ambíguas e complicadas, podiam contribuir para seu desenvolvimento e sua difusão. Praticamente, a música cristã dispensou anotação até o aparecimento dos primeiros neumas¹, por volta do século VIII (pp. 205 s.); a memória dos cantores, seu conhecimento das regras e alguns gestos convencionais bastavam para garantir a coesão dos coros.

Entretanto, os primeiros neumas não eram mais que uma estenografia imprecisa, hoje quase indecifráveis, destinada apenas a ajudar a memória, indicando o movimento de fórmulas melódicas já conhecidas. Até o século XII, a interpretação dos textos musicais permanece bastante incerta, freqüentemente arriscada. O ritmo só será notado com clareza no século XV e será preciso aguardar o século XVIII para que a dinâmica e a instrumentação sejam determinadas com exatidão. É à medida que a polifonia se torna mais complexa e refinada que, por necessidade, a música ocidental se dota lentamente de um sistema de notação cada vez mais preciso.

Assim, a preocupação de conservar e transmitir com exatidão a idéia musical à posteridade parece extremamente recente e em nenhuma outra parte foi tão impositiva quanto em nossa civilização. Desde há milênios, a música era uma arte de tradição oral, como a pantomima. Regras fundamentais, profundamente assimiladas, constituíam o essencial da cultura musical transmissível. Eram elas que os músicos respeitavam, e não o que chamamos de “obras”. A música vivia em perpétuo devir, fosse no improviso, fosse na interpretação renovada de fórmulas tradicionais. Ela era um gesto que se esvaía para suscitar outro e não podia petrificar-se num sistema ilusório de correspondências gráficas. Mesmo quando uma obra literária supunha uma interpretação musical determinada de antemão (lírica e tragédia gregas, por exemplo), era muito mais a um modo de recitação do que a uma composição musical justaposta ao texto que os antigos se referiam.


A Notação Ocidental

Segundo J. Handschin, a notação é o sintoma de um debilitamento de sentido musical. A memória musical, notavelmente fiel onde se impõe a tradição oral, se enfraquece e se degrada sob a influência da notação. Criando uma categoria de músicos executantes, distintos dos criadores, ela acentua uma especialização prejudicial à cultura musical coletiva. Privilegiando a partitura, a ponto de fazer dela o objeto por excelência da música, ela precipita o declínio dessa cultura. É interessante observar que, a partir do século XVI, quando a notação se tornou soberana e a partitura precisa e tirânica, os anjos musicistas desaparecem da iconografia e são substituídos por profissionais lendo. A inspiração angélica foi substituída pela engenhosidade dos “compositores”...

Com efeito, a mutação provocada pela escrita na música ocidental foi profundíssima. Incapaz de estabelecer a posteriori as sutis flutuações agógicas do ato musical (o que, inicialmente, tinha por vocação fazer), ela inaugura a maneira de estabelecer a priori a maneira como os sons devem ser produzidos. Ela se torna um cânon fixo, cuja observação favorece o culto desmedido da obra. A importância que damos a esse conceito, enquanto representação de pretensos objetos musicais, é excessiva. As “obras” escritas, cujo estudo é a preocupação maior dos historiadores e musicólogos, não são objetos acabados, mas por fazer. A esse respeito, a partitura é comparável à planta do arquiteto, à decupagem do filme ou à receita culinária. O elemento permanente, reconhecível, transcendente às interpretações possíveis não é a obra, mas seu projeto. A representação que um músico faz para si ao ler a partitura sem tocá-la refere-se necessariamente a uma interpretação imaginária; a lembrança que dela conserva é a de uma música ouvida e não a de um conjunto de símbolos que representam uma música a ser tocada. Só existindo se aparecer na interpretação, a obra é uma “aparência”, não uma coisa. Para o compositor, é um ideal.

Os sistemas de notação e de composição se desenvolvem juntos, por interação. Quanto mais a notação é complexa, mais a teoria se torna arbitrária e rígida. As regras impõem esquemas rigorosos e inteligíveis (racionais), a que o músico profissional se adapta necessariamente: a música é obrigada a se tornar tal que possa ser notada, o que não exclui a perigosa ambição de compor tudo o que se puder escrever. A decadência da música grega vem, em parte, daí, e os lingüistas poderiam evocar Saussure (Ferdinand Saussure, lingüista Suíço - 1857 - 1913), denunciando o perigo de a escrita contaminar a linguagem.

Podemos classificar os diferentes tipos de notação da seguinte maneira, segundo o sentido da informação que dela recebemos:

1 – Representação simbólica do som
- método analítico: notação tradicional. Pouca iniciativa do intérprete sobre os meios de produzir o fenômeno global desejado; busca de exatidão;

- método global: alguns símbolos de ornamentação da notação tradicional – trêmulos, batimentos, glissandi³, uma parte das novas notações (clusters, por exemplo). O intérprete pode escolher os meios de provocar a percepção global desejada: as estruturas finas são inventadas na ação musical;

- método esquemático: neumas e certos procedimentos utilizados em musica eletracústica.


2 – Indicação dos meios materiais de produzir o som (posição dos dedos nas cordas, por exemplo); tablaturas e algumas notações modernas (Stockhausen²). Os resultados são sensivelmente os mesmos da representação simbólica pelo método analítico, deixando ainda menos iniciativa ao intérprete.

3 – Sugestão de música possíveis: formas “abertas”, Text-komposition e, talvez, alguns sistemas orientais.


A grande fraqueza dos métodos de notação dos dois primeiros tipos, pela qual exercem uma influência impositiva sobre a composição, está em que eles introduzem a descontinuidade num fenômeno contínuo, em que quantificam, de certa forma, a música. Essa particularidade torna-os impróprios, qualquer que seja seu treinamento, para registrar a música de tradição oral, demasiado sutil e flutuante.

Em contrapartida, os aspectos positivos da notação não são desprezíveis. Com o progresso da impressão e da edição, ela permitiu a ampla difusão dos frutos do gênio musical ocidental, cuja fecundidade é notável. Mas, favorecendo a enorme difusão de nossa música pelo mundo, ela provocou o nivelamento das tradições regionais, fazendo os folclores da Europa perderem sua vitalidade e corrompendo até certas tradições da Ásia e da África. Essa conseqüência é inevitável, a menos que se invente uma notação universal que se adapte a todos os sistemas musicais, sem lhes impor limitações e que favoreça a circulação de todas as músicas do mundo, em todos os sentidos, o que parece utópico, a tal ponto nossa música e sua notação estão estreitamente unidas. A nova música da segunda metade do século XX preocupou-se freqüentemente com a universalidade. Mas não trouxe uma transformação fundamental à nossa concepção da escrita musical, que permanece especificamente ocidental; mesmo quando alguns, em nome de um sincretismo ilusório, crêem ver no grafismo das partituras um aspecto essencial da música, ou quando Stockhausen sonha com uma notação ideal em que “o sentido será instruído de maneira tão imediata, que o projeto excluirá qualquer dúvida quanto às modalidades possíveis de realização”. A única originalidade da nova música em relação à notação é sua recusa a se adaptar às particularidades da escrita tradicional, criando ao contrário o que lhe é necessária... pela primeira vez nos últimos cinco séculos.


NOTAS

1 - Neuma - Cada um dos sinais da antiga notação musical medieval, que não indicavam nem a altura exata dos sons nem a sua duração, mas apenas o movimento linear da melodia, i.e., onde a voz deveria elevar-se ou abaixar-se.

2 - Karlheinz Stockhausen (nascido na Alemanha a 22 de Agosto de 1928) é um compositor de música contemporânea. Foi colega de Pierre Boulez e ambos estudaram com o compositor e organista Olivier Messiaen.
Considerado um dos maiores compositores do final do século XX, é o responsável por trabalhos artísticos de grandiosidade indiscutível. As suas obras revolucionaram a percepção de ritmo, melodia e harmonia. Trabalhos como Stimmung e Mikrophonie marcaram época quando na sua estréia exigiam do público percepção musical aguçadíssima. De suas obras mais ambiciosas destaca-se o concerto para helicóptero, parte integrante de um work in progress de mais de dez anos: e a ópera Licht baseada em textos sânscritos e budistas que tem suas partes distribuídas nos dias da semana.

3Glissandi - Na harpa, no piano e noutros instrumentos de teclado, passagem rápida, ascendente ou descendente, das unhas ou das pontas dos dedos sobre uma série de notas consecutivas.

O próximo artigo desta série é CATEGORIAS SÓCIO-MUSICAIS




segunda-feira, julho 10, 2006

Função Social e Percepção

Este é o 2º Artigo da série História Universal da Música. O primeiro é:

01 - Introdução e Miragens de uma Definição


Se é difícil definir a música, também é difícil explicar sua função social e descobrir seu modus operandi. A essas questões está ligada a percepção do “sentido” musical: quanto mais a música for “funcional” (no sentido lato), mais bem compreendida será:

Antiguidade – Em sua origem, a música era apenas uma atividade muscular (membros, laringe) adaptada às condições de luta pela vida. Seu desenvolvimento acompanhou, de diversas maneiras, o das sociedades humanas. Ela permanece por muito tempo um prolongamento, um esteio, uma exaltação da ação. Ligada à magia, à religião, à ética, à terapêutica, à política, ao jogo e ao prazer também, ela constitui um dos aspectos fundamentais das velhas civilizações. Sua transmissão será assegurada, de geração em geração, pela imitação, depois pelo ensino sistemático.

Na Antigüidade (e até os dias de hoje, em certas civilizações), a música constitui a mais alta sabedoria, por ser a chave de todas as outras. “Não há conceito neste mundo que não seja transmitido pelos sons. O som impregna todo o conhecimento. Todo o universo repousa no som” (Vakya padiya). “Tudo o que ouvimos nos traz felicidade ou infelicidade. A música não deveria ser executada inconsideradamente” (Seu Ma-tshien). “Para ser instruído em todas as coisas, é preciso estudar com cuidado a música em seus princípios naturais” (Confúcio). “Qualquer mudança em matéria de música é prenhe de conseqüências para a cidade... Não se pode mudar o que quer que seja no modos da música sem abalar a estabilidade do Estado” (Platão)... Os pitagóricos vêem na música uma representação da harmonia universal. Não só seu conhecimento é indispensável a todos os que querem elevar-se no caminho da sabedoria e da ciência, como também é necessário ao povo e aos escravos, porque eleva a alma e nela mantém sentimentos nobres e justos, garantindo assim a estabilidade e a prosperidade do Estado.

Nem todos os contemporâneos de Terpandro, Píndaro ou Damon, ou os de Confúcio, foram, é claro, igualmente músicos, igualmente receptivos e inteligentes em relação ao fenômeno musical. Mas, sem dúvida, nunca foi tão profundo quanto hoje o abismo entre o hipermúsico (Profissional ou não), a “hiperacústica” e, por outro lado, o analfabeto ou o idiota musical, “anacústico” ou “amúsico”! No século IV a.C., por não ter a sabedoria acusmática resistido à retórica dos geômetras e dos sofistas, a música grega degenera e o gosto público se degrada a tal ponto, que logo os descendentes dos ouvintes de Sófocles se deliciarão com os combates de gladiadores e se exaltarão com a barulheira solene dos hinos totalitários.


Depreciação do Auditivo – A partir de então, o primado do visual vai substituir o do auditivo na civilização ocidental: música perde sua situação privilegiada na cultura e na vida cotidiana. Resulta disso, com o decorrer dos séculos, uma diminuição progressiva da sensibilidade aos fenômenos sonoros, em particular à música: os povos do Ocidente tornam-se “anacústicos”, se me permitem esse neologismo, com exceção de uma pequena proporção de iniciados. O próprio ensino confia cada vez mais na vista da criança (livros ilustrados, objetos exemplares, desenhos, quadros, gestos, demonstrativos) e cada vez menos em seu ouvido (declínio do ensino oral).

Na sociedade industrial, a depreciação do auditivo tornou-se ainda mais aguda. O motivo pode ser o seguinte: o olho é atento, laborioso, preciso, escolhe e controla o objeto de sua função; o ouvido não se abre nem se fecha à nossa vontade, recebe misturados todos os objetos sonoros que estão a seu alcance, escolhe com dificuldade, é pouco atento, não é naturalmente laborioso. Comparado com o olho, o ouvido parece indolente e sofre o tabu que nossa sociedade impõe a qualquer forma de preguiça! Nessas condições, a música é suspeita, a tal ponto que a profissão de músico parece singular, quase indigna, a uma certa burguesia. Além disso, a música é fugidia: presta-se mal à observação, à análise, que o mundo moderno não pode dispensar. É uma arte do tempo, desse tempo hostil de que a vida depende (“O tempo é sempre o lugar do suplício”, escreve Domenach). A dificuldade de abordá-la de maneira objetiva, científica, é ilustrada por um jogo de salão proposto por Roland Barthes: falar de uma música sem empregar adjetivos!

Pareceria natural pelo menos que a elite intelectual sempre se preocupasse em conservar para a música um lugar honroso em sua cultura e seus trabalhos. Ora, para tomarmos apenas um exemplo particularmente significativo, foi como que reprimida em Freud pelos tabus sociais. De fato, como é possível que um intelectual vienense do final do século XIX tenha sido amúsico, como ele dá a entender? Quando define as fantasias, ou quando explica como as obsessões melódicas são sempre portadoras de um sentido extramusical que se relaciona ao inconsciente do sujeito, ele parece negar a existência de um sentido musical puro (há melodias obsedantes para todo o mundo e outras que nunca o serão). Para ele, como para vários outros pensadores, a visão é privilegiada: é o instrumento da descoberta científica, da observação.

A agravação contínua dessa tendência “anacústica” pode explicar a situação servil habitualmente imposta aos músicos durante vários séculos. Muitos foram considerados criados, alguns vagabundos. Julgados inaptos para governar sua vida como cidadãos conscientes, são freqüentemente objeto de solicitudes arrogantes e por pouco não se lhes oferece ajuda para atravessar a rua. Pondo-se a serviço de famílias poderosas, ou sob sua proteção, muitos grandes músicos viram-se dependendo inteiramente de uma elite social não raro incapaz, desde o século XVII, de justificar suas pretensões a certo nível cultural. A humildade inconveniente de numerosas dedicatórias soa ainda mais falsa porque os destinatários, cujas boas graças o músico precisa conquistar a qualquer preço, acumularam enganos e injustiças.

Para mostrar que escapavam dessa subordinação, grandes músicos orgulharam-se de se proclamar “diletantes”, isto é, independentes. Satisfeitos por não terem de ostentar, à frente de suas obras impressas, os sinais de qualquer servidão, intitularam-se altivamente: dilettante veneto (Albinoni), ou nobile veneto dilettante di contrapunto (Marcello). Caberá a Beethoven restituir a todos os músicos o sentimento de sua dignidade. Mas a atividade marginal dos músicos hoje mal encontra uma justificação que não seja em termos econômicos, a tal ponto sua função social é incerta.


Músico Funcional – Entretanto, em todas as civilizações o desenvolvimento da música esteve ligado à sua função na sociedade. Essa função foi um dos principais fatores da evolução da música ocidental, quase sempre suscitada, até o século XVIII, por circunstâncias de vida pública e privada. Toda a música de Lully, Purcell, Scarlatti, Couperin, Vivaldi, Bach, Rameau ainda é “funcional”, e até mesmo boa parte da de Haydn e Mozart... Essas relações de funções explicam por que tantas obras-primas, hoje difundidas no mundo inteiro, não foram publicadas em seu tempo: aquela música “de circunstância” não era destinada à posteridade!

A partir do século XIX, o mito do compositor romântico e a nova concepção da arte pela arte criam um preconceito em favor de uma música “pura”, toda música de circunstância ou funcional sendo artisticamente depreciada, mas praticada de forma subsidiária por motivos econômicos.

Ao mesmo tempo que se desviava pouco a pouco de suas funções sociais originais, a música ocidental, que se tornara polifônica, crescia em complexidade. No início dessa dupla evolução, o aparecimento do conceito de obra musical é uma singularidade cuja ação evolutiva foi determinante. A obra é o conjunto das características permanentes de uma ação musical renovada; ela estimula uma preparação minuciosa, refinada, da ação futura, que se refere à lembrança da ação passada. A música vê-se geralmente enriquecida com isso e sua complexidade estrutural tende a aumentar.


Especialização: O Público – Acentua-se, assim, um fenômeno de grande importância sociológica: a especialização. Primeiro, músicos passivos (ouvintes) tendem a distinguir-se dos músicos ativos; depois, à medida que a obra se afirma como fundamento de nossa tradição musical, os dois grupos se dividem, por sua vez, em subcategorias cada vez mais diversificadas: compositores, editores, intérpretes, ouvintes, de diferentes tipos, como veremos adiante.

Assim que a especialização se impõe, a música passa a depender da presença de um “público”, de seu comportamento, das pressões que ele exerce e, portanto, das contingências psicossociológicas, históricas, políticas. Se os grandes artistas vinham a Esparta, antes da hegemonia ateniense, no século VII, já era porque lá encontravam um público. Conforme se dirija ao povo, à corte, à burguesia pré-industrial, aos jovens ou a diversas categorias de cibernantropos da era industrial, a música evoluirá de uma maneira determinada. Em compensação, é raríssimo que presida à sua evolução uma teoria puramente hedonista, uma teoria das reuniões de sons “agradáveis ao ouvido” ou que, mais exatamente, estimulem o parassimpático, provocando as reações vegetativas ligadas ao prazer. Mais ainda que as dificuldades práticas, os preconceitos éticos se opõem a tal teoria, pois o prazer é suspeito na civilização cristã: associar-lhe a música seria depreciá-la ainda mais.

De qualquer modo, o verdadeiro artista não procura agradar imediatamente, salvo quando sua sobrevivência disso depende. Fundamentalmente subversivo, ele mantém sua liberdade de impor mudanças apesar do público, obedecendo a necessidades históricas, técnicas, estéticas. O artista é integrado à sociedade com sua liberdade e, se é incompreendido, é porque é profético: o conflito entre a arte e a sociedade é uma realidade objetiva que decorre da essência de uma e outra.

É na Grécia que descobrimos as primeiras manifestações de um “público” socialmente consciente, cujo juízo podia ser determinante, quando dos grandes espetáculos-concursos de Delfos e Atenas. Até mesmo Ésquilo, Eurípides e Sófocles disputavam regularmente os sufrágios do povo ateniense. A partir da conquista romana e, sobretudo, do advento do cristianismo, a música não é mais destinada ao povo, senão para sua edificação ou para sua salvação. A música “erudita” será, durante séculos, apanágio da Igreja e dos poderes. Será preciso aguardar o aparecimento, nos séculos XVII e XVIII, dos teatros de ópera e dos concertos públicos, ambos pagos, para que volte a manifestar-se aquela multidão de ouvintes que compra, com seus ingressos, o direito de ficar satisfeita ou insatisfeita.

Esse “grande público” distinguiu-se com freqüência, nos últimos três séculos, por seu conservadorismo estético: por vezes se queixa das mudanças que lhe tornam a música “incompreensível”, e sua preocupação em compreender (tão estranha diante de uma arte não significante) torna-se obsessiva. Mas não se deve ser sistemático: o artista profético à frente de seu tempo é um lugar-comum da história da música. A defasagem sempre existe, mas, de ordinário, é rapidamente superada: percebidas a princípio como anomalias, as novidades são integradas à tradição, servindo, por sua vez., para controlar novos progressos. A recusa categórica da música moderna por parte de uma maioria do público é uma singularidade de nosso tempo.


Consumidores de Música – Não sendo mais, desde há muito, coletivamente responsáveis por nossa civilização musical, estávamos prontos para receber passivamente a música que uma indústria especializada nos destinasse. Esta apostou no conservadorismo do público, estimulado pelo culto exclusivo da música antiga que os progressos da musicologia suscitam. A música moderna, aquela que vimos nascer, cessa de ser preponderante como sempre foi; julgada hoje segundo critérios do passado, ela se torna cada vez mais suspeita para a grande massa dos ouvintes.

Os criadores independentes tenderão a avançar ainda mais, acentuando sua especialização, seu isolamento, a depreciação da sua arte e condenando ao gueto suas produções mais originais. Segue-se que a maior parte da música “consumida” em nossos dias não é de modo algum representativa do pensamento estético contemporâneo, o que parece incrível se julgarmos com recuo suficiente! Produto de consumo de funções indeterminadas, uma música neutralizada é difundida por toda parte hoje em dia sob uma forma “já digerida”. As pessoas não escolhem mais, submetem-se ao que o show business decidiu vender.

A música dos povos supedesenvolvidos não é mais um acontecimento sonoro privilegiado. Banhando perpetuamente nosso sistema auditivo e nosso inconsciente musical, ela é um aspecto vibratório do meio, benfazejo ou maléfico, e por vezes devemos proteger-nos dela como das intempéries. Saturado de decibéis sintéticos, o homem de hoje não percebe mais a sinfonia dos sons raros ou familiares, os pios dos passarinhos, os rumores da floresta e aqueles incontáveis ruídos carregados de símbolos que se elevam do vale; ele os confunde com o silêncio, só sabendo ouvir o bater solitário de seu coração quando cessa a música ambiental. O duplo fenômeno da complexidade das músicas avançadas e da poluição do ambiente sonoro faz dele um anacústico, um amúsico, fisiológica e psicologicamente. Para se integrar de novo nas correntes de civilização musical, deverá reaprender a inocência.



Não deixe de ler o próximo artigo A TRANSMISSÃO DAS IDÉIAS – A OBRA E SUA NOTAÇÃO, a ser postado em breve.




Introdução e Miragens de Uma Definição

INTRODUÇÃO:

A música é uma antiga sabedoria coletiva, cuja longa história se confunde com a das sociedades humanas. Para ser prático, o estudo de um tema tão vasto deve impor-se limites arbitrários.

Assim tivemos que resumir numa só parte os fundamentos das principais tradições ocidentais. Ora, uma história universal da música deveria abordas as diferentes civilizações sob ângulos semelhantes e deter-se em cada uma na proporção da sua riqueza. Mas isso decepcionaria a maior parte dos leitores do ocidente, cuja experiência musical se refere à polifonia ocidental dos últimos cinco séculos.

Do ponto de vista cronológico, somos limitados por lacunas em nossos conhecimentos. Com exceção da lírica grega, em que nossas tradições se arraigam, a música da Antiguidade só nos é conhecida pela iconografia, freqüentemente inexata, e pelos vestígios de instrumentos. Faltam-nos textos musicais decifráveis ou testemunhos seguros anteriores ao século X de nossa era, e a maioria das fontes literárias é demasiado imprecisa para permitir-nos reconstituir com um mínimo de rigor as práticas musicais nos tempos de Agostinho de Hipona, Gregório VII ou mesmo Carlos Magno.

No entanto, para evitar um desequilíbrio grande demais em favor dos últimos séculos, tão rico em estrelas, as notas biográficas serão sumárias (e complementadas por biografias completas no tópico apropriado) e isoladas em quadros, de modo que o texto principal seja consagrado ao desenvolvimento histórico de um aspecto de civilização. Nos dicionários e nas monografias seria possível encontrar as informações complementares sobre determinado tema que a presente obra terá situado na história. Enfim, a objetividade que o pesquisador científico se esforça por alcançar é bastante ilusória aqui, em particular na escolha necessária de tudo o que é preciso omitir para não transformar essa história da música em inventário...

O leitor pouco familiarizado com a teoria provavelmente nos perdoará certos desenvolvimentos em que é oferecida uma reflexão de temas que dela sejam dignos, a risco de lhes pedir um esforço de atenção. A realidade musical é sutil e complexa. Dissimulando-se esse fato, perde o sentido da nossa evolução. A “vulgarização” complacente isola a realidade da sociedade que a engendrou e que deve poder assumi-la. Para que o apreciador leigo deixe de ser mistificado pelo conhecedor, para que a “música erudita” perca seus privilégios de rito aristocrático, é preferível examinar escrupulosamente seus princípios e suas funções para que cada um possa captar o essencial de toda uma miscelânea de convenções e de luxos “culturais”. Não são as vidas romanceadas, os catálogos de obras, as análises harmônicas, nem alguns bocados de ciência esotérica que garantem à música, enquanto sabedoria, seu lugar em nossa civilização.



MIRAGENS DE UMA DEFINIÇÃO

Privilégio exclusivo do homem, a música nunca é definida de forma conveniente: é difícil observarmos uma ação em que nos achamos envolvidos. Para Jean-Jacques Rousseau, ela é “a arte de reunir os sons de maneira agradável ao ouvido” (definição adotada pelo Petit Larousse). Ora, nem a música ritual, nem a música dramática, nem a música militar tem por vocação essencial serem agraváveis ao ouvido. É acaso possível que uma mesma música seja agradável aos ouvidos de todos os homens, quaisquer que sejam sua raça e sua cultura?

À desenvoltura de Rousseau se opõe o pedantismo de Littré: “ciência ou emprego dos sons ditos racionais, isto é, que entram numa hierarquia chamada escala”. Falta a essa definição a referência a um projeto: a “ciência ou o emprego dos sons” deve ter um objetivo, um sentido, e isso é o essencial, tão difícil de se circunscrever. Quando uma criança tamborila no teclado de um piano, empregando os sons de determinada escala, que são ditos “racionais”, está fazendo música? Enquanto, com suas nebulosas de sons indeterminados, Pendericki, Ligeti ou Xanakis não fariam música, nem os percursionistas africanos, nem os tocadores de tablã indiano (sons “irracionais”)?

Uma das melhores definições propostas em nosso tempo é a de Abraham Moles: “uma reunião de sons que deve ser percebida como não sendo o resultado do acaso”. Sua fraqueza está em admitir que toda reunião de sons programados e percebidos como tais pode ser qualificada de música... o que talvez seja excessivo (repetição ou permutação automática de alguns sons escolhidos arbitrariamente... linguagem falada...).

A maioria das definições propostas se esquecem ou se recusam a considerar a música como um sistema de comunicações. No entanto, uma comunicação singular se estabelece entre os que emitem a música e os que a recebem, na medida em que os segundos percebem uma ordem específica, um sentido, desejado pelos primeiros (seja um processo de “codificação” ou de “decodificação”). Mas é um sistema de comunicações não referencial: o sentido da música lhe é imanente.

A despeito de uma terminologia abusiva (linguagem musical, frases, discursos, expressão, sintaxe, música descritiva, etc.), a música não é uma linguagem que se pode atravessar sem se deter e cuja significação, transcendente ao signo, pode ser conservada depois de este ter sido esquecido: sua eventual “significação” não tem referência com a realidade exterior, qualquer que seja o nível em que nos coloquemos. O lingüista Nicolas Ruwet considera a música “uma linguagem que significa a si mesma”, fórmula ambígua, mas sedutora, que subentende que a música não veicula idéias, não define novos conceitos e é incapaz de ser analisada ou descrita. Os esforços estéreis feitos por alguns diletantes para lhe encontrar significações extramusicais os persuadem de que não são músicos: eles perseguem fantasmas em prejuízo da inteligência do sentido puramente musical.

A definição da fé, como a das artes, não é da ordem do conceito, mas da ação”. Esse belo aforismo do filósofo Roger Garaudy desencoraja-nos a buscar uma definição universal em que toda a música futura deverá reconhecer-se. No pulular de sons e ruídos, naturais ou provocados pelo homem há milênios, por que sinais um marciano reconheceria o que chamamos de música, supondo-se que nós mesmos nos ponhamos de acordo sobre a sua identificação? Ou, ainda, como se deveria programar um computador para que ele distinga a música dos outros conjuntos de sons?

Constatamos que tudo o que nos parece música é:

1 - Um complexo sonoro, sem significação nem referência exterior (a linguagem não é música, mesmo nas línguas “em tons”);

2 - O fruto de uma atividade projetiva, mais ou menos consciente: um “artefato” (não há música “natural”, nem puramente aleatória);

3 - Uma organização comunicável: ela associa um organizador-emissor (músico ativo, compositor-intérprete) a um receptor (ouvinte) por um conjunto de convenções que permite uma interpretação comum de “sentido” da organização sonora. No mínimo, a atividade projetiva será percebida como tal, porque, se o agregado de sons parece natural, só pode ser qualificada de música por metáfora (música de um riacho).


Em suma, a música parece ter sido, até hoje, a ação do agregar sons em função de um projeto comunicável, sem referência a uma realidade exterior. Ou então: a música é a comunicação de um agregado de sons organizados, agregados não significativamente, mas coletivamente interpretável.

Essas tentativas de definição implicam que toda intervenção humana no mundo dos sons que obedeça a um projeto não conceitual (estético) pode ser chamado de música. Se eu gravar em sua continuidade o mundo sonoro, natural ou aleatório, que me cerca (passarinhos, riacho, insetos, vozes, máquinas, etc.), obterei apenas uma cópia, mais ou menos fiel, desse mundo; mas, selecionando e reunindo por montagem certos fragmentos de gravação, eventualmente sobrepondo-os, faço música, contanto, todavia, que minha intervenção seja projetiva e não aleatória. Berlioz já escrevia: “Todo corpo sonoro utilizado pelo compositor é um instrumento de música”, de modo que ruídos de máquinas, por exemplo, reunidos segundo um projeto (“composição”), podem tornar-se música. O conjunto das convenções que tornam o projeto comunicável pode constituir um sistema musical.

As qualidades que atribuímos à música são ligadas à nossa interpretação desse projeto. De fato, a música consegue comover-nos, às vezes intensamente, por qualidades imprevisíveis atribuídas ao “gênio” e não por ordem previsível decorrente do sistema. Se esse gênio indefinível pudesse medir-se pela ciência combinatória no âmbito de um sistema, o computador superaria os maiores músicos da história.... O “sentido” da música, a que fiz alusão várias vezes, é a soma das intenções do músico, a direção de seu projeto (sentido = direção). Ele constitui a especificidade de uma música com respeito a outra de mesmo estilo e mesma forma.

Retomando as idéias de Damon de Atenas, Aristóteles (Poética) considera que a música é, como as outras artes, uma imitação: ela imita a alma humana. Voltarei a esse problema no artigo sobre a música dos gregos. Agostinho de Hipona, por sua vez, toma de empréstimo essa teoria. Mas ele também diz que a música é um movimento, cuja finalidade é sua própria perfeição, em oposição ao gesto que produz um objeto. A aparente contradição com a teoria da imitação se resolve salientando-se que o “modelo” é, aqui, um ideal. Donde a impossibilidade de fixar objetivamente as regras do belo musical, por falta de referência a um objeto ou a uma finalidade exterior.

Esse caráter subjetivo do modelo musical é ilustrado pela diversidade das “interpretações”. O intérprete imita um arquétipo, uma música interior memorizada. Esta nem sempre coincide com outros arquétipos: os que os ouvintes trazem em sua memória e que lhes servirão para julgar a interpretação.

A idéia hegeliana de unidade das artes se harmoniza mal com essas características específicas: a música é uma ação perpetuamente renovada (pelo menos até as músicas eletroacústicas) e dispensa modelos exteriores. Entretanto, sob certos pontos de vista, ela apresenta semelhanças com a arquitetura, a poesia, o cinema e a matemática. Como a arquitetura, a música é um sistema de comunicações não referencial: uma organiza relações temporais, a outra, relações espaciais. Como a poesia e o cinema, ela é essencialmente uma arte do tempo. E, como a matemática, ela se baseia num sistema de símbolos operacionais, que designam atos, “operações”, não objetos ou idéias. A essência da música está em sua estrutura, como a da arquitetura, da poesia ou da matemática, quaisquer que sejam suas funções.

No próximo artigo, abordaremos a FUNÇÃO SOCIAL E PERCEPÇÃO. Não perca.




segunda-feira, junho 26, 2006

MÚSICA DA SEMANA

Esta seção do Blog tem por objetivo publicar, semanalmente, músicas de adoração que realmente estejam conectadas, em todos os aspectos, com a essência da adoração. Algumas vezes serão músicas cantadas por nossa igreja ou por diversos grupos de adoração.

A música tocará enquanto o post estiver em destaque. As músicas de posts anteriores deixarão de ser tocadas, embora os posts permaneçam. Caso queira receber o arquivo da música, deixe o seu e-mail no campo COMENTÁRIO do reséctivo post para que possamos enviá-la.

ELE, E SOMENTE ELE É DIGO DE TODA A NOSSA ADORAÇÃO!!!!!!!




Me Derramar

De: I. Houghton - Versão: Josemar Bessa

Eis me aqui outra vez
Diante de Ti, derramando meu ser
Pois eu sei, me ouves
Eu clamo a Ti
Em fé meu Deus
És fiel Senhor, respondes Pai
Com verdades que são esperança real
Hoje eu sinto o Teu toque
E livre eu sou em todo o meu ser
Neste santo lugar

Eu venho me derramar, me derramar dizer-Te: preciso!
Me derramar dizer que sou grato, dizer que és formoso


Eis me aqui senhor
Outra vez
Estou diante de Ti derramando meu ser
Calamo a Ti Senhor, em fé Senhor,
Pois eu sei , Ouves a mim
És fiel Senhor, respondes Pai
Verdades que são esperança real
Hoje eu sinto o seu toque meu Deus
Livre eu sou em todo o meu ser
Neste santo lugar

Eu venho me derramar, me derramar dizer-Te: preciso!
Me derramar dizer que sou grato, dizer que és formoso
Eu venho me derramar, me derramar dizer-Te: preciso!
Me derramar te sou grato, dizer que és formoso




segunda-feira, maio 29, 2006

Castelo Forte

Composta pelo próprio Mantinho Lutero no século XVI, e cantado por João Alexandre da Silveira, esta versão faz parte do seu CD Oração da Noite.


Castelo forte é nosso Deus
Escudo e boa espada
Com Seu poder defende os Seus
A Sua Igreja amada
Com força e com furor
Nos prova o tentador
Com artimanhas tais
E astúcias infernais
Iguais não há na Terra.

A Nossa força na faz
Estamos nós perdidos
Mas nosso Deus socorro traz
E somos protegidos
Defende-nos Jesus
O que venceu na cruz
Senhor dos altos Céus
Que sendo o Próprio Deus
Triunfa na batalha

Se Tua palavra ficará
Sabemos com certeza
Pois ela nos ajudará
Com armas de defesa
Se temos de perder
Família, bens, poder
E embora a vida vá
Por nós Jesus está
E nos dará Seu Reino
E nos dará Seu Reino

E nos dará Seu Reino!!!!!!!!!




segunda-feira, maio 22, 2006

Tu És Bom

De Steve Merkel - Versão de Josemar Bessa

Onde estaria eu não fosse Tu Senhor?
Como me levantar a cada manhã?
Tua graça eterna me guia em teu amor
Mesmo quanto a Ti não posso ver, Senhor.

Senhor Tu és bom, Tu és bom
E Tua graça pra sempre é!
Senhor Tu és bom, Tu és bom
E tua graça pra sempre é!

Onde estaria eu não fosse
Tu Senhor?Como me levantar a cada manhã?
Tua graça eterna me guia em teu amor
Mesmo quanto a Ti não posso ver, Senhor.

Senhor Tu és bom, Tu és bom
E Tua graça pra sempre é!
Senhor Tu és bom, Tu és bom
E tua graça pra sempre é!


Mostraste a mim o Teu amor,
Mostraste a mim quem Tu és,
Mostraste a mim o Teu amor,
Quem realmente és!

Senhor Tu és bom, Tu és bom
E Tua graça pra sempre é!
Senhor Tu és bom, Tu és bom
E tua graça pra sempre é!